Uma conversa com o Diabo
A noite e o silêncio crescendo tanto à minha volta que só não me
oprimiam porque – eu sabia –que nada que passava por minha cabeça era
real....mais o escuro e o silêncio me deixava inquieto.
Aí eu vi o Diabo. Cachorrão preto, os olhos vermelhos.Parado
na minha frente, na sombra de um beco, me encarando. Num
olhar do bicho, tudo o que é ruim na minha vida começou a me
assaltar.
Desde o momento em que quebrei um lápis na cabeça de
um colega até os dias atuais. Engoli em seco com uma vontade
tamanha que nem sei como fiquei com os dentes de trás. Aí o
bicho sorriu.
Cê já viu cachorro rindo? Pois é. Nem eu.Mas aquele não era um
cachorro, era o Diabo, e sorria para mim.
Aquele sorriso zombeteiro, meio cúmplice, que diz “eu conheço
você”. Eu puxei um cigarro, acendi e disse:
- Tá bom. Cê me conhece. E daí?
Ele colocou a cabeça de lado, uma orelha erguida.
- Eu também me conheço. Não tem nada de especial nisso.
-Ah. Tá. Entendi. Esse é um dos lances de me assustar para me
deixar desesperado, né?
Silêncio.
- Não? Então deve ser pra me fazer recordar que mau menino
eu fui, e chegar à conclusão de que não importa o que eu faça,
vou parar no inferno. É isso?
O bicho botou a língua pra fora e começou a resfolegar.
- Ah. O.K. Bom, não deu muito certo, né? Quer dizer, não
trouxe nada novo. Eu não entendo essa disputa que cê tem com o Cara
de Cima. Nem vejo muito lucro em tentar angariar almas.
-Sabe por quê? Por que, não importa o que cê faça, ele tem o
jogo todo na mão dele.
Rosnado.
- Onipotente e onisciente, né? Ele Sabe o que vai ser antes de
ser,e pode mudar o que quiser.
-Cê não fica chateado em ser apenas mais uma peça no jogo de
xadrez cósmico? Mas é uma realidade inescapável, não?
Dois passos em minha direção.
- Fala sério. Cê deve se achar um verdadeiro otário quando
descansa a cabeça no travesseiro, ou estalagmite, o que for.
Toda essa rebeldia, essa guerra e no final, acontece o quê?
-Cê não tem chance desde
o começo da história! No final das contas cê vai voltar pro papai com o rabinho
abanando, né?
Postura de ataque.
Começou a caminhar devagarzinho para
mim, sempre rosnando.
- Sabe o que a gente diz por aqui? “O filho pródigo à casa
torna.” Quer dizer que o cara que sai mais cedo de casa acaba
voltando, porque não sabe o suficiente para não se dar mal. Se
bem que no seu caso podia ser “o filho pródigo o caldo entorna”,
porque...
Ele pulou. No mesmo instante, o sol
nascendo tocou o corpo
preto e o Diabo, com um grito de ódio, se esfumaçou no meio
do salto, a centímetros do meu pescoço. Deu tempo.
Pelo menos,deu tempo. Fui pra casa feliz da vida, assobiando
como se tivesse visto um passarinho verde. Não é sempre que o Diabo cai na sua
que nem um patinho.
25 de maio de 2015
Histórias de Terror, Leonardo Vidal
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kkk. Eu gostei dessa... nem parece que o cara viu mesmo um diabo...kkkkk
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